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O Despertar dos Cosmos
1. Mahat (Inteligência Universal), o primogênito de Sabedoria 2. A última Vibração 3. O significado esotérico de Manvantara 4. O Sopro Eterno se move sobre as Águas da Vida, Caos 5. O Pensamento Divino impregna o Caos 6. O Ovo Virginal como símbolo do Universo 7. O Poder dos Números 8. O simbolismo Oculto 9. A Luz, o Onipresente Raio Espiritual 10. As Trevas, única realidade verdadeira 9 11. O resplandecente Dragão de Sabedoria 12. A Substância Cósmica se converte em Matéria Astral 13. O Fogo, a Inteligência que move o Universo 14. O Mistério dos Números 15. O Cisne, símbolo do Raio divino 16. Eletricidade, a Vida Una 17. Os primeiros Dhyân Chohans são “Naturezas Primárias” 18. A Trama do Ser 19. Fohat põe a Matéria Cósmica em Movimento 20. A Trama dilata-se e contrai-se 21. Fohat, a Eletricidade Cósmica.
1. …A última Vibração da Sétima Eternidade palpita através do Infinito (a). A Mãe intumesce e se expande de dentro para fora, como o Botão de Lótus (b). (a) O emprego aparentemente paradoxal da expressão “Sétima Eternidade”, dividindo assim o que é indivisível, está consagrado na filosofia esotérica. Esta divide a duração sem limites em Tempo incondicionado, eterno e universal (Kâla), e em tempo condicionado (Khandakâla). Um é a abstração ou número do Tempo infinito; o outro, o seu fenômeno, que aparece periodicamente como efeito de Mahat, a Inteligência Universal, limitada pela duração manvantárica. 193 Veja-se o Vol. II, Parte II, Seção III, “A Substância Primordial e o Pensamento Divino”. 187 Segundo algumas escolas, Mahat é o primogênito de Pradhâna (Substância não diferenciada, ou o aspecto periódico de Mûlaprakriti, a Raiz da Natureza), sendo Prahana chamada Mâyâ, a Ilusão. Sobre este ponto, creio que os ensinamentos esotéricos diferem da doutrina Vedantina, tanto da escola Advaíta como da Visishthadvaíta: pois dizem que, enquanto Mûlaprakriti, o númeno, é existente por si mesmo e sem origem, numa palavra, sem pais (Anupâdaka) e uno com Brahman, Prakriti, seu fenômeno, é periódico e não passa de um fantasma ou projeção do primeiro. De igual modo, Mahat, o primogênito de Jnâna (ou Gnose). Conhecimento, Sabedoria do Logos; é um fantasma refletido do Absoluto Nirguna (Parabrahman), a Realidade Única, “sem atributos nem qualidades”; ao passo que, para alguns vedantinos, Mahat é uma manifestação de Prakriti ou Matéria. (b) A “última Vibração da Eternidade” não estava, portanto, “preordenada” por nenhum Deus em particular, mas surgiu em virtude da Lei eterna e imutável dos grandes períodos de atividade e de repouso, chamados, de modo tão sugestivo e ao mesmo tempo tão poético, os “Dias e Noites de Brahmâ”. A expansão da Mãe (também chamada “Águas do Espaço”, “Matriz Universal” etc.) “de dentro para fora” não significa o expandir de um pequeno centro ou foco, mas o desenvolvimento da subjetividade sem limites para uma objetividade também ilimitada, sem referência a magnitude, termo ou área. “A Substância, (para nós) sempre invisível e material, presente na Eternidade, projetou sua Sombra periódica de seu próprio plano no Regaço de Mâyâ.” Quer isso dizer que, não sendo tal expansão um aumento de magnitude, porque a extensão infinita não admite nenhum aumento, era uma mudança de estado. A Mãe expande-se “como o botão de Lótus”: porque a planta do Lótus não só existe em miniatura na semente (uma de 188 suas características físicas), mas o seu protótipo se acha presente como uma forma ideal na Luz Astral, desde a “Aurora” até a “Noite”, durante o período manvantárico, o que acontece, aliás, com todas as coisas neste Universo objetivo, do homem ao verme, da árvore gigante à mais pequenina folha de erva. Tudo isso, conforme nos ensina a Ciência Oculta, é somente o reflexo temporário, a sombra do eterno protótipo ideal que existe no Pensamento Divino; e observe-se que a palavra “Eternidade” não tem aqui outro sentido que não o de “evo”, isto é, o de um período que parece não ter fim, mas que é limitado, o ciclo de atividade chamado Manvantara. Qual é o significado real e esotérico do vocábulo Manvantara, ou, antes, Manu-antara? Quer dizer, literalmente, “entre dois Manus”, e há quatorze Manus em cada Dia de Brahmâ, consistindo cada Dia em 1.000 agrupamentos de Quatro Idades, 1.000 “Grandes Idades” ou Mahâyugas. Analisemos agora a palavra Manu. Dizem os orientalistas em seus dicionários que o nome Manu vem da raiz Man, pensar; e daí o “homem pensador”. Mas, esotericamente, cada Manu, como tipo antropomorfizado de seu ciclo especial (ou Ronda), é tão somente a idéia personificada do “Pensamento Divino” (como o Pimandro hermético); sendo, portanto, cada um dos Manus o deus especial, o criador e formador de tudo quanto aparece no decorrer de seu próprio ciclo ou Manvantara. Fohat é o mensageiro veloz dos Manus (ou Dhyân Chohans) e aquele que faz os protótipos ideais expandirem-se de dentro para fora — ou seja, passarem de modo gradual e em escala descendente por todos os planos, desde o numênico ao fenomenal mais inferior, para que neles floresçam em plena objetividade, como o maximum de ilusão ou a matéria em seu estado mais grosseiro. 189 2. A Vibração se propaga, e suas velozes Asas tocam194 o Universo inteiro e o Germe que mora nas trevas; as Trevas que sopram195 sobre as adormecidas Águas da Vida. Da Mônada pitagórica se diz também que habita a solidão e as “Trevas”, como o Germe. A idéia do Sopro das Trevas, que se move sobre as “Águas adormecidas da Vida” — a Matéria Primordial com o Espírito em estado latente —, recorda o primeiro capítulo do Gênesis. Sua origem é o Nârâyana bramânico (Aquele que Move as Águas), personificação do Eterno Alento do Todo inconsciente (ou Parabrahman) dos ocultistas orientais. As Águas da Vida, ou o Caos — o princípio feminino no simbolismo —, são o vacuum (para nossa visão mental) em que jazem o Espírito latente e a Matéria. Foi o que levou Demócrito a dizer, segundo o seu preceptor Leucipo, que os princípios ou elementos primordiais de tudo eram átomos e um vacuum, no sentido de espaço; não, porém, um espaço vazio, pois “a Natureza tem horror ao vácuo”, conforme os princípios dos peripatéticos e dos filósofos antigos em geral. Em todas as Cosmogonias a “Água” desempenha o mesmo papel importante. É a base e a fonte da existência material. Os sábios, confundindo a palavra com o objeto, entenderam que se tratava da combinação química definida do oxigênio com o hidrogênio, e assim deram significação específica a um termo que os ocultistas empregam em sentido genérico e ao qual se atribui, em linguagem cosmogônica, um sentido metafísico e místico. O gelo não é água, nem é vapor; no entanto, possuem os três precisamente a mesma composição química. 194 Simultaneamente. 195 Que se movem. 190 3. As Trevas irradiam a Luz, e a Luz emite um Raio solitário sobre as Águas e dentro das Entranhas da Mãe. O Raio atravessa o Ovo Virgem; faz o Ovo Eterno estremecer, e desprende o Germe não-Eterno196, que se condensa no Ovo do Mundo. O “Raio Solitário” que penetra nas “Entranhas da Mãe” pode ser interpretado como o Pensamento Divino ou a Inteligência que fecunda o Caos. Isto se passa no plano da abstração metafísica, ou melhor, naquele plano onde o que chamamos abstração metafísica é uma realidade. O “Ovo Virgem”, sendo em certo sentido o ovário abstrato, ou o poder de desenvolvimento pela fecundação, é eterno e sempre o mesmo. E, do mesmo modo que a fecundação de um ovo se dá antes de ser posto, assim o Germe periódico, não eterno, que depois veio a ser, simbolicamente, o Ovo do Mundo, contém em si, quando emerge deste símbolo, “a promessa e a potência” de todo o Universo. Se bem que a idéia per se represente naturalmente uma abstração, uma maneira simbólica de expressão, é um símbolo verdadeiro, porque sugere a idéia do infinito como um círculo ilimitado. Apresenta ante a imaginação um quadro do Cosmos surgindo no espaço sem limites, um Universo sem fronteiras em sua extensão, embora não sem limites em sua manifestação objetiva. O símbolo de um ovo exprime também aquele ensinamento Oculto de que a forma primordial de cada coisa manifestada, desde o átomo ao planeta, desde o homem ao anjo, é esferoidal, sendo a esfera, em todas as nações, o símbolo da eternidade e do infinito, uma serpente que morde a própria cauda. Para compreender, porém, sua significação, é preciso representar a esfera tal como deve 196 Periódico. 191 ser vista de seu centro. O campo de visão ou de pensamento assemelha-se a uma esfera cujos raios avançam em todas as direções e se estendem pelo espaço ao nosso redor, abrindo-nos perspectivas ilimitadas. É o círculo simbólico de Pascal e dos cabalistas, “cujo centro está em toda parte e a circunferência em parte alguma”, conceito que se ajusta à idéia complexa deste emblema. O “Ovo do Mundo” é talvez um dos símbolos mais universalmente adotados, e altamente sugestivo, tanto no sentido espiritual como no sentido fisiológico ou no cosmológico. Encontra-se, por isso, em todas as teogonias do mundo, quase sempre associado ao símbolo da serpente, que existe por toda parte, nas filosofias como nas religiões — um emblema da eternidade, do infinito, de regeneração, de renovação e de rejuvenescimento, assim como de sabedoria197. O mistério de autogeração aparente e da evolução, por meio de seu próprio poder criador, repetindo em miniatura no ovo o processo da evolução cósmica, ambos os processos devidos ao calor e à umidade vitalizados pela irradiação do espírito criador invisível, justifica plenamente a eleição de símbolo tão expressivo. O “Ovo Virgem” é o símbolo microcósmico do protótipo macrocósmico, a “Virgem-Mãe”, o Caos ou Abismo primordial. O Criador masculino (não importa sob que nome) faz brotar da virgem feminina a Raiz sem mácula, fecundada pelo Raio. Qual a pessoa versada em ciências naturais e astronômicas que não há de ver quanto de sugestivo existe nesse símbolo? O Cosmos, como natureza receptora, é um ovo fecundado, que, não obstante, permanece imaculado; e, desde o momento em que é considerado como um todo sem limites, não pode ter outra representação que não a da esfera. O Ovo 197 Veja-se, no Vol. II e Parte II, Seção X, “O Culto da Árvore, da Serpente e do Crocodilo”. 192 Áureo estava rodeado de sete elementos naturais, “quatro manifestos (éter, fogo, ar e água), três secretos”. Consta isso do Vishnu Purâna, havendo-se traduzido os elementos por “Envolturas” e acrescentado mais um secreto Ahamkâra198. O texto original não menciona Ahamkâra; trata dos sete Elementos sem especificar os três últimos. 4. Os Três199 caem no Quatro200 A Essência Radiante passa a ser Sete interiormente e Sete exteriormente (a). O Ovo Luminoso201, que é Três em si mesmo202, coagula-se e espalha os seus Coágulos brancos como o leite por toda a extensão das Profundezas da Mãe: a Raiz que cresce nos Abismos do Oceano da Vida (b). (a) Convém explicar o emprego de figuras geométricas e as freqüentes alusões a números, que se vêem em todas as escrituras antigas, como nos Purânas, no Livro dos Mortos do Egito e até mesmo na Bíblia. No Livro de Dzyan, tal como na Cabala, há duas classes de numeração que é preciso estudar: os algarismos que algumas vezes são simplesmente véus, e os Números Sagrados, cujos valores são conhecidos pelos ocultistas através da Iniciação. Os primeiros são meros signos convencionais; os segundos constituem o símbolo fundamental de tudo. Vale dizer: aqueles são puramente físicos e estes metafísicos; existindo entre uns e outros a mesma relação que entre a Matéria e o Espírito, os pólos extremos da Sabedoria Una. Balzac, o ocultista inconsciente da literatura francesa, diz alhures que o Número é para a Mente o mesmo que é em relação à Matéria: “um agente 198 Wilson, Vishnu Purâna, I, 40. 199 Triângulo. 200 Quaternário. 201 Hiranyagarbha. 202 As três hipóteses de Brahmâ ou Vishnu, os três Avasthâs. 193 incompreensível”. Assim será para o profano; nunca para o Iniciado. O número é, como supôs o grande escritor, uma Entidade, e ao mesmo tempo um Alento que emana do que ele chama Deus e nós chamamos o todo, Alento que é o único organizador do Cosmos físico, “onde nada adquire forma senão por meio da Divindade, a qual é um efeito do Número”. É interessante reproduzir, a esse respeito, as próprias palavras de Balzac: “As criações mais insignificantes assim como as de maior porte — não se distinguem entre si por suas quantidades, qualidades, dimensões, forças e atributos, elementos todos procedentes do Número? O infinito dos números é um fato demonstrado à nossa mente, mas cuja prova não pode ser dada em termos físicos. Dirá o matemático que o infinito dos números existe, mas não é demonstrável. Deus é um Número dotado de movimento, que se sente mas não se pode demonstrar… Como Unidade, dá começo aos Números, mas nada tem de comum com eles… A existência do Número depende da Unidade, que, sem um só número, engendra a todos… Pois quê! Incapaz de medir a primeira abstração que a Divindade te apresenta, ou de somente compreendê-la, esperas ainda sujeitar a tuas medidas o mistério das Ciências Secretas que emana dessa mesma Divindade?… E que sentirias tu se eu te sumisse nos abismos do Movimento, na Força que organiza os Números? Que 194 pensadas se te acrescentasse que o Movimento e o Número203 são gerados pelo Verbo, a Raiz Suprema dos Videntes e dos Profetas, que nos tempos antigos sentiram o Sopro poderoso de Deus, como o testemunha o Apocalipse?” (b) “A Essência Radiante coagula-se e difunde-se através dos Abismos do Espaço.” De um ponto de vista astronômico, é fácil a explicação: é a Via-Láctea, o material de que é feito o mundo, a Matéria Primordial em sua forma incipiente. Mais difícil, porém, é explicá-lo em poucas palavras à luz da Ciência Oculta e da Simbologia, porque se trata do mais complicado dos emblemas, nele se contendo mais de uma dúzia de símbolos. Para começar, encerra todo o Panteão das coisas misteriosas, cada uma das quais possuindo uma significação oculta definida, extraída da alegoria hindu da “Malaxação do Oceano” pelos Deuses204. Assim, é deste “Mar de Leite” que procedem Amrita, a água da vida ou da imortalidade, a Surabhi, a “vaca da abundância”, chamada a “Fonte do leite e dos coágulos”. Daí o culto universal da vaca e do touro; especificando uma, o poder produtor, e o outro, o poder gerador na Natureza: símbolos relacionados com as divindades Solares e Cósmicas. Como as propriedades específicas para o uso oculto das “quatorze coisas preciosas” são explicadas unicamente na Quarta Iniciação, não podem ser expostas aqui; contudo, podemos adiantar o seguinte: Está dito no Shatapatha Brâhmana que a Malaxação do Oceano de Leite se deu no Satya Yuga, o primeiro período que se seguiu imediatamente ao “Dilúvio”. Mas, como nem o Rig Veda nem o Manu — ambos anteriores ao “Dilúvio” de Vaivasvata, ou seja, o que aniquilou a 203 O Número, sim, mas nunca o Movimento. É o Movimento que dá origem ao Logos, o Verbo em Ocultismo. 204 As “quatorze coisas preciosas”. A narrativa ou alegoria consta do Shatapahta Brâhmana e de outras obras. A Ciência Secreta japonesa dos místicos budistas, o Yama-bushi, tem “sete coisas preciosas”. Voltaremos ao assunto mais adiante. 195 maioria da Quarta Raça — fazem referência a esse dilúvio, é evidente que não é nem o Grande Dilúvio, nem o que destruiu a Atlântida, nem mesmo o de Noé, aquele que ali se menciona. Aquela “Malaxação” diz respeito a um período anterior à formação da terra, e se relaciona diretamente com outra lenda universal, cujas várias e contraditórias versões tiveram sua expressão máxima no dogma cristão da “Guerra nos Céus” e da “Queda dos Anjos205”. Os Brâhmanas, criticados freqüentemente pelos orientalistas, por suas versões contraditórias sobre os mesmos temas, são, antes de tudo, obras eminentemente ocultas, fazendo, portanto, uso intencional de “véus”. Se assim não fosse, estariam já destruídos, desde os tempos de Akbar. 5. A Raiz permanece, a Luz permanece, os Coágulos permanecem; e, não obstante, Oeaohoo é Uno. “Oeaohoo” é traduzido nos Comentários por “Pai-Mãe dos Deuses”, ou o “Seis em Um”, ou a Raiz Setenária de que tudo procede. Depende do acento que se dê a estas sete vogais: podem pronunciar-se como uma, três e até sete sílabas, acrescentando-se um e depois do o final. Esse nome místico somente é divulgado porque, sem a posse do segredo de sua tríplice pronúncia não produz efeito algum. “É Uno” refere-se à não-separatividade de tudo quanto vive e existe, seja em estado ativo ou passivo. Num sentido, Oeaohoo é a Raiz sem Raiz de Tudo, e portanto uno com Parabrahman; noutro sentido, é um nome da Vida Una Manifestada, a Unidade Eterna vivente. A “Raiz” significa, como já se explicou, o 205 Veja-se: Vol. II, Parte II, Seção XI, “Demon est Deus Inversus”; Vol. IV, Parte II, Seção IV, “O Mito dos Anjos Caídos em seus Vários Aspectos”; e também o Apocalipse, XII. 196 Conhecimento Puro (Sattva)206, a eterna (nitya) Realidade não condicionada, ou Sat (Satya), tenha o nome de Parabrahman ou o de Prakriti, pois estes são apenas os dois símbolos do Uno. A “Luz” é o mesmo Raio Espiritual Onipresente, que penetrou e fecundou agora o Ovo Divino, e convoca a Matéria Cósmica para iniciar sua longa série de diferenciações. Os “Coágulos” são a primeira diferenciação; e também se referem, provavelmente, àquela matéria cósmica que se supõe ser a origem da ViaLáctea (a matéria que conhecemos). Esta “matéria”, que, segundo a revelação recebida dos primitivos Dhyâni-Buddhas, é, durante o sono periódico do Universo, de tenuidade a máxima que pode perceber a vista do Bodhisattva perfeito; esta matéria, radiante e fria, dissemina-se pelo espaço ao primeiro despertar do movimento cósmico, aparecendo, quando olhada da terra, em forma de cachos e massas, à maneira de coágulos de leite. São as sementes dos mundos futuros, o “material do universo estelar”. 6. A Raiz da Vida estava em cada Gota do Oceano da Imortalidade207, e o Oceano era Luz Radiante, que era Fogo, Calor e Movimento. As Trevas se desvaneceram, e não existiram mais: sumiram-se em sua própria Essência, o Corpo de Fogo e Água, do Pai e da Mãe. Sendo a Essência das Trevas a Luz Absoluta, as Trevas são consideradas a representação apropriada e alegórica da condição do Universo durante o Pralaya, ou seja, durante o repouso absoluto ou não-ser, tal como aparece 206 “O termo original para Entendimento é Sattva, que Shankara traduziu por Antaskarana, “purificado pelos sacrifícios e por outras obras santificadoras”. No Katha, página 148, diz Shankara que “Sattva quer dizer Buddhi, sendo esta a acepção corrente da palavra”. (Bhagavad Gitâ etc, tradução de Kashinath Trimbak Telang, M. A.; citado por Max Muller, pág. 193.) Seja qual for o significado atribuído ao termo pelas diversas escolas, Sattva é o nome dado pelos ocultistas do sistema Aryâsanga à Mônada dual, ou Âtmâ-Buddhi; e Âtmã-Buddhi corresponde neste plano a Parabrahman, e no plano superior a Mûlaprakriti. 207 Amrita. 197 à nossa razão finita. “O Fogo, o Calor e o Movimento”, de que se fala aqui, não são, por certo, o fogo, o calor e o movimento da ciência física; mas os seus princípios abstratos, os númenos, ou a alma da essência dessas manifestações materiais — as “coisas em si”, que, segundo confessa a ciência moderna, escapam inteiramente aos processos de investigação com instrumentos de laboratório, e que a mente tampouco pode compreender, embora tenha que admitir que tais essências existem como substratum das coisas. “Fogo e Água”; “Pai e Mãe208” — podem entender-se como significando o Raio Divino e o Caos. “O Caos, ganhando a razão por esta união com o Espírito, resplandece de alegria; e assim foi produzido o Protógonos (a Luz Primordial)”, diz um fragmento de Hermes. Damáscio o chama Dis, “o que dispõe de todas as coisas209”. Segundo os ensinamentos dos Rosacruzes, tais como interpretados pelos profanos (e desta vez em parte corretamente), “a Luz e as Trevas são idênticas em si mesmas, sendo separáveis tão-só na mente humana”; e, segundo Roberto Fludd, “a escuridão se fez iluminar para se tornar visível210”. Consoante os princípios do ocultismo oriental, as Trevas são a única realidade verdadeira, a base e a raiz da Luz, sem a qual esta última jamais poderia manifestar-se, nem sequer existir. A Luz é Matéria; as Trevas, Espírito puro. As Trevas, em sua base radical e metafísica, são luz subjetiva e absoluta; ao passo que a Luz, com todo o seu esplendor e glória aparentes, não passa de um aglomerado de sombras, pois nunca poderá ser eterna, consistindo simplesmente em ilusão ou Mâyâ. 208 Veja-se “Kwan-Shi-Yin”; não pode ser dado o nome verdadeiro do texto. 209 Ancient Fragments, de Cory, pág. 314. 210 On Rosenkranz. 198 Até mesmo no Gênesis211, que tanto confunde a razão e perturba a Ciência, a luz é criada das trevas — “e havia trevas sobre a face do abismo” — e não vice-versa. “Ali (nas trevas) estava a vida, e a vida era a luz dos homens212”. Dia virá talvez em que os homens terão seus olhos abertos, e então poderão compreender melhor o versículo do Evangelho de João, que diz: “E a luz brilhou nas trevas, e as trevas não a compreenderam.” Verão que a palavra “trevas” não se refere à visão espiritual do homem, mas, em verdade, às Trevas, ao Absoluto, que não compreende (não pode conhecer) a luz transitória, por mais transcendente que pareça aos olhos humanos. Demon est Deus inversus. A Igreja dá hoje ao diabo o nome de Trevas, mas a Bíblia, no Livro de Job, o chama “Filho de Deus”, a estrela resplandecente da manhã, Lúcifer. Existe todo um sistema filosófico de artifício dogmático na razão pela qual o primeiro Arcanjo, que emergiu das profundezas do Caos, foi denominado Lux (Lúcifer), o “Filho Luminoso da Manhã”, ou da Aurora Manvantárica. A Igreja o transformou em Lúcifer ou Satã, porque era mais antigo e de mais elevada categoria que Jehovah, devendo ser por isso sacrificado ao novo dogma. 7. Vê, ó Lanu213!, o Radiante Filho dos Dois, a Glória refulgente e sem par: o Espaço Luminoso, Filho do Negro Espaço, que surge das Profundezas das Grandes Águas Sombrias. É Oeaohoo, o mais jovem, o ***214 (a). Ele brilha como o Sol. É o Resplandecente Dragão Divino da Sabedoria. O Eka215 é Chatur, e Chatur toma para si Tri, e a união produz Sapta, no qual estão os 211 I, 2. 212 João, I, 4. 213 Lanu é um aluno, um cheia que estuda Esoterismo prático. 214 “Que tu conheces agora como Kwan-Shai-Yin.” — Comentário 215 Eka é um, Chatur quatro, Tri três, e Sapta sete. 199 Sete; que se tornam o Tridasha216, os Exércitos e as Multidões (b). Contemplao levantando o Véu e desdobrando-o de Oriente a Ocidente. Ele oculta o Acima, e deixa ver o Abaixo como a Grande Ilusão. Assinala os lugares para os Resplandecentes217, e converte o Acima218 num Oceano de Fogo (c) sem praias, e o Uno Manifestado219 nas Grandes Águas. (a) “O Espaço Luminoso, Filho do Negro Espaço” corresponde ao Raio que, à primeira vibração da nova Aurora, incidiu sobre as grandes Profundezas Cósmicas, de onde ressurge diferenciado como Oeaohoo, “o mais Jovem” (a “Nova Vida”), para converter-se, ao fim do Ciclo de Vida, no Germe de todas as coisas. É o “Homem Incorpóreo, que traz em si mesmo a Idéia Divina”, o gerador da Luz e da Vida, para usar uma expressão de Filon, o Judeu. E é chamado o “Resplandecente Dragão de Sabedoria”: em primeiro lugar, porque é o que os filósofos gregos denominavam Logos, o Verbo do Pensamento Divino; em segundo, porque, na filosofia esotérica, sendo esta primeira manifestação a síntese ou a súmula da Sabedoria Universal, Oeaohoo, “o Filho do Sol”, contém em si mesmo os Sete Exércitos Criadores (os Sephiroth), sendo assim a essência da Sabedoria manifestada. “O que se banha na Luz de Oeaohoo jamais será enganado pelo Véu de Mâyâ.” “Kwan-Shai-Yin” é idêntico ao Avalokiteshvara sânscrito e, como tal, uma divindade andrógina, do mesmo modo que o Tetragrammaton e todos os Logos da antigüidade; Só algumas seitas da China o antropomorfizam e o representam com 216 “Tridasha”, ou trinta, três vezes dez, é uma alusão às divindades védicas, em números redondos, ou com maior precisão 33, um número sagrado. São os 12 Adityas, os 8 Vasus, os 11 Rudras e os 2 Ashvins, filhos gêmeos do Sol e do Céu. É o número fundamental do Panteão hindu, que conta 33 “crores”, ou 330 milhões de deuses e deusas. 217 Estrelas. 218 O Espaço Superior. 219 Elemento. 200 atributos femininos; e sob este aspecto passa a ser Kwan-Yin, a Deusa da Misericórdia, também chamada a “Voz Divina220”?. Esta última é a divindade protetora do Tibete e da Ilha de Puto, na China, onde ambas as divindades têm um certo número de mosteiros221 . Os deuses superiores da antigüidade são todos “Filhos da Mãe”, antes de se tornarem “Filhos do Pai”. Os Logos, como Júpiter ou Zeus, filho de CronosSaturno, “o Tempo Infinito” (Kâla), eram originariamente representados como masculino-femininos. De Zeus se diz que é a “Virgem bela”, e Vênus é descrita com barba. Apolo em sua origem era bissexual, como também o é Brahmâ-Vach em Manu e nos Purânas. Pode-se confundir Osíris com Ísis, e Horus é de ambos os sexos. Finalmente, na visão de São João (Apocalipse) o Logos, associado agora a Jesus, é hermafrodita, pois que sua descrição o apresenta com seios de mulher. O mesmo sucede em relação ao Tetragrammaton e a Jehovah. Em Esoterismo, porém, há dois Avalokiteshvaras: o Primeiro e o Segundo Logos. Em nossos dias de política e de ciência, não há símbolo religioso que possa escapar à profanação e à zombaria. Na Índia Meridional teve a autora ocasião de ver um hindu convertido a fazer pûjàb com oferendas ante uma imagem de Jesus vestido de mulher e com uma argola no nariz. Como lhe indagássemos a razão desse travesti, respondeu-nos que se tratava de Jesus e Maria reunidos em uma só peça, e que o fizera com permissão do Padre, pois o zeloso converso não dispunha de dinheiro para adquirir duas imagens, ou “ídolos”, como os qualificou com certa razão outro hindu que testemunhou a ocorrência e não era convertido. Parecerá 220 A Sofia dos Gnósticos, “a Sabedoria”, que é “a Mãe” da Ogdóada (em certo sentido, Aditi com seus oito filhos), é o Espírito Santo e o Criador de tudo, como nos sistemas antigos. O “Pai” é uma invenção que surgiu mais tarde. O primeiro dos Logos manifestados era, em toda parte, feminino — a mãe dos sete poderes planetários. 221 Veja-se Chinese Buddhism, do Reverendo Joseph Edkins, que expõe os fatos sempre corretamente, embora sejam freqüentes vezes errôneas as suas conclusões. Veja-se, no Volume II, a Parte II, Seção XV, “Sobre Kwan-Shai-Yin e Kwan-Yin”. 201 uma blasfêmia aos olhos do cristão dogmático, mas o teósofo e o ocultista têm que conceber a palma da lógica ao hindu converso. O Christos esotérico da Gnose carece naturalmente de sexo; é, porém, andrógino na teologia exotérica. (b) O “Dragão da Sabedoria” é o Um, o “Eka” ou Saka. É curioso observar que o nome de Jehovah em hebreu é também Um, Achad. “Seu nome é Achad”, dizem os rabinos. Cabe aos filólogos decidir qual dos dois termos é derivado do outro, do ponto de vista lingüístico e simbólico; não o será, certamente, a palavra sânscrita. O “Um” e o “Dragão” são expressões usadas pelos antigos, quando se referiam aos seus respectivos Logos. Jehovah — esotericamente Elohim — é também a Serpente ou Dragão que tentou Eva; e o Dragão é um antigo emblema da Luz Astral (o Princípio Primordial), “que é a Sabedoria do Caos”. A filosofia arcaica, não reconhecendo nem o Bem nem o Mal como potência fundamental ou independente, mas apresentando essas duas forças como aspectos da Luz pura que, no curso da evolução natural, se condensa gradualmente na forma, convertendo-se, portanto, na Matéria, isto é, no Mal. A ignorância dos primeiros padres cristãos desvirtuou a idéia filosófica e altamente científica contida nesse emblema, transformando-a na absurda superstição do “Diabo”. Foram-no buscar aos zoroastrianos do último período, que viam diabos ou o Mal nos Devas hindus; e a palavra Evil (Mal) se converteu, assim, numa dupla transmutação, em D’Evil (Diabos, Diable, Diavolo, Teufel). Mas os pagãos sempre deram mostra de discernimento filosófico em seus símbolos. O emblema primitivo da serpente simbolizava sempre a Sabedoria Divina e a Perfeição, e era considerado como equivalente à Regeneração psíquica e à Imortalidade. É por isso que Hermes chamava a Serpente o mais espiritual de todos os seres. Moisés, iniciado na sabedoria de Hermes, diz a mesma 202 coisa no Gênesis; e a Serpente gnóstica, com as sete vogais sobre a cabeça, era o emblema das Sete Hierarquias dos Criadores Setenários ou Planetários. Daí também a serpente dos hindus Shesha ou Ananta, o Infinito; um nome de Vishnu e o seu primeiro Vâhana, ou veículo, sobre as Águas Primordiais. Entretanto, da mesma forma que os Logos e as Hierarquias de Poderes, devem-se distinguir tais serpentes umas das outras. Shesha ou Ananta, o “Leito de Vishnu”, é uma abstração alegórica, simbolizando o Tempo infinito no Espaço, que contém o Germe e dele lança periodicamente a eflorescência (o Universo manifestado); ao passo que o Ophis gnóstico encerra, em suas sete vogais, o mesmo simbolismo tríplice do Oeaohoo de uma, três e sete sílabas da doutrina arcaica, a saber: o Primeiro Logos Nãomanifestado, o Segundo Manifestado, o Triângulo que se concretiza no Quaternário ou Tetragrammaton, e os Raios deste no plano material. Apesar disso, todos eles estabelecem uma distinção entre a boa e a má Serpente (a Luz astral dos cabalistas); a primeira, a encarnação da Sabedoria Divina na região do Espiritual, e a segunda, o Mal, no Plano da Matéria. Porque a Luz Astral, ou o Éter dos antigos pagãos (o nome de Luz Astral é de todo moderno) é o Espírito-Matéria, que, procedente do plano puramente espiritual, se torna cada vez mais grosseiro à medida que desce, até converter-se em Mâyâ, ou a Serpente tentadora e enganosa, em nosso plano. Jesus admitiu a Serpente como sinônimo de Sabedoria, e em um de seus ensinamentos disse: “Sede sábios como a serpente.” “No começo, antes que a Mãe se convertesse em Pai-Mãe, o Dragão de Fogo se movia sozinho no seio do Infinito222.” O Aitareya Brâbmana chama à terra 222 Livro de Sarparâjni. 203 Sarparâjni, a “Rainha-Serpente” e a “Mãe de tudo o que se move223”. Antes de o nosso Globo assumir a forma de ovo (e também o Universo), “um longo rastro de poeira cósmica (ou névoa de fogo) se movia e se retorcia como uma serpente no Espaço”. “O Espírito de Deus movendo-se no Caos” foi simbolizado por todos os povos sob a forma de uma serpente de fogo, exalando chama e luz sobre as águas primordiais, até haver incubado a matéria cósmica e fazê-la tomar a forma anular de uma serpente que morde a própria cauda; o que simboliza não somente a Eternidade e o Infinito, mas também a forma esférica de todos os corpos produzidos no Universo daquela névoa de fogo. O Universo, a Terra e o Homem se despojam periodicamente de suas velhas peles, para retomar outras novas depois de um período de repouso, como o faz a serpente. Esta imagem da serpente não é decerto menos graciosa ou menos poética que a da lagarta e da crisálida de que surge a borboleta, emblema grego de Psique, a alma humana. O Dragão era também o símbolo do Logos entre os Egípcios, assim como entre os Gnósticos. No Livro de Hermes, Pimandro, o mais antigo e espiritual dos Logos do continente ocidental, aparece a Hermes sob a forma de um Dragão de “Luz, Fogo e Chama”. Pimandro, a personificação do “Pensamento Divino”, diz: “A luz sou eu; eu estou em Nous (a Mente ou Manu); eu sou teu Deus, e sou muito mais antigo que o princípio humano que escapa da sombra das Trevas ou a Divindade oculta. Eu sou o germe do Pensamento, o Verbo resplandecente, o Filho de Deus. Tudo o que vê e ouve em ti é o Verbo do Mestre, é o Pensamento Mahat, o qual é Deus, o 223 Veja-se: Das Kaushitaki Brâhmana, texto sânscrito, editado por B. Lindner, Ph. D., pág. 132 (1897); e Rigveda Brâhmanas, trad. de A. Berriedale Keith, D. Litt, pág. 511, nota 2 (1920). 204 Pai224. O Oceano celeste, o Æther… é o sopro do Pai, o princípio que dá a vida, a Mãe, o Espírito Santo… Porque estes não estão separados, e sua união é si Vida225.” Encontramos aqui o eco iniludível da Doutrina Secreta arcaica, de que ora nos ocupamos. Ocorre apenas que esta última não coloca à frente da Evolução da Vida o “Pai”, que vem em terceiro lugar e é o “Filho da Mãe”; mas ali situa o “Eterno e Incessante Alento do todo”. Mahat (o Entendimento, a Mente Universal, o Pensamento etc.), antes de se manifestar como Brahmâ ou Shiva, aparece como Vishnu — diz o Sânkhya Sâra226. É por isso que ele tem vários aspectos, tal como o Logos. Mahat é chamado o Senhor na Criação Primária, e neste sentido é o Conhecimento Universal ou o Pensamento Divino; mas aquele “Mahat, que foi o primeiro a surgir”, é depois chamado Ego-ismo, quando nasce como (o sentimento mesmo do) “Eu”; é então o que se chama a “Segunda Criação” 227. E o tradutor (um inteligente e culto brâmane, não um orientalista europeu) esclarece, em nota ao pé da página: “isto é, quando Mahat desenvolve o sentimento da consciência de si mesmo, o Eu, então recebe o nome de Egoísmo”, o que, em termos esotéricos, significa que, quando Mahat se transforma no Manas humana (ou ainda no dos deuses finitos), passa a ser Aham-ismo228. A razão por que é chamado o Mahat da criação Segunda (ou da Nona, a de Kumâra no Vishnu Purâna) será explicada mais adiante. 224 “Deus, o Pai” deve aqui significar, sem dúvida, o sétimo princípio no Homem e, no cosmos, princípio que é inseparável, em sua Essência e Natureza, do sétimo princípio cósmico. Em certo sentido, é o Logos dos gregos e o Avalokiteshvara dos “Budistas” esotéricos. 225 Veja-se o Divino Pimandro, trad. do Dr. Everard (1650), reeditado por Hargrave Jennings (1884), págs. 8-9. 226 Edição de Fitzedward Hall na Biblioteca Indica, pág. 16. 227 Anugitâ, cap. XXVI, tradução de K. T. Telang, pág. 333. 228 Eu-ismo ou Ego-ismo, do sânscrito aham, eu 205 (c) O “Mar de Fogo” é, portanto, a Luz Supra-Astral (ou seja, Numênica), a radiação primeira da Raiz Mûlaprakriti, a Substância Cósmica não diferenciada, que se converte em Matéria Astral. Também se chama a “Serpente de Fogo”, como já dissemos. Se se atentar em que não há senão Um Elemento Universal infinito, inato e imperecível, sendo tudo o mais — como o mundo dos fenômenos — tão somente aspectos vários e múltiplos e transformações diferenciadas (chamam-se hoje correlações) daquela Unidade, desde os produtos do macrocosmo até os do microcosmo, desde os seres supra-humanos aos seres humanos e sub-humanos, numa palavra, a totalidade da existência objetiva — então a primeira e maior dificuldade desaparecerá, e a Cosmologia Oculta se fará compreensível. Tanto na Teologia egípcia como na indiana havia uma Divindade Oculta, o UNO, e um deus criador andrógino: Shoo era o deus da criação, e Osíris, em sua forma primária e original, o Deus “cujo nome é desconhecido229”. Todos os cabalistas e ocultistas, orientais e ocidentais, reconhecem: (a) a identidade do “Pai-Mãe” com o Æther Primordial ou Âkâsha (a Luz Astral); e (b) sua homogeneidade antes da evolução do “Filho”, o “Fohat” cosmicamente, pois este é a Eletricidade Cósmica: “Fohat endurece e dispersa os Sete Irmãos230”: significa que a Entidade Elétrica Primordial (os ocultistas orientais afirmam que a Eletricidade é uma Entidade) vitaliza com a força elétrica a matéria primordial e prégenética, separando-a em átomos, que são a origem de toda vida e consciência. “Existe um 229 Veja-se Abydos, de Mariette, II, 63, e III, 413, 414, n.° 1.122. 230 Livro de Dzyan, III. 206 agente único universal de toda forma e de toda vida — chama-se Od, Ob e Aour231 , ativo e passivo, positivo e negativo, como o dia e a noite: é o alvor da Criação” (Eliphas Lévi), a “primeira luz” do Elohim primordial, o Adão “andrógino”, ou (cientificamente) a Eletricidade e a Vida. Os antigos o representavam por uma serpente, porque “Fohat silva, quando desliza de um ponto para outro” em ziguezagues. A Cabala o designa pela letra hebraica Teth O, cujo símbolo é a serpente, que desempenhava tão importante papel nos Mistérios. Seu valor universal é nove, porque é a nona letra do alfabeto e a nona porta das cinqüenta que dão acesso aos mistérios ocultos do ser. É o agente mágico por excelência, e na filosofia hermética indica a “Vida insuflada na Matéria Primordial”, a essência imanente em todas as coisas e o espírito que lhes determina as formas. São duas, porém, as operações hermética secretas, uma espiritual e outra material, correlativas ambas e unidas sempre. Disse Hermes: “Tu separarás a terra do fogo, o sutil do sólido… o que sobe da terra para o céu e o que desce do céu para a terra. .. Isso (a luz sutil) é a potência de toda força, porque domina todas as coisas sutis e penetra todos os sólidos. Assim foi formado o mundo.” Não foi Zenão, o fundador do estoicismo, o único a ensinar que o Universo evoluciona e a substância primária se transforma do estado de fogo no de 231 Od é a Luz pura que dá a vida, o fluido magnético: Ob é o mensageiro da morte, de que se servem os feiticeiros, o fluido nefasto; Aour é a síntese dos dois, a Luz Astral propriamente. Podem os filólogos dizer por que Od, termo usado por Reichenbach para designar o fluido vital, é também uma palavra tibetana que significa luz, resplendor, brilho? Em sentido oculto ainda quer dizer “céu”. Donde vem, pois, a raiz da palavra; Por outra parte, Âkâsha não é exatamente o Éter, mas algo muito mais levado, como se mostrará. 207 ar, depois no de água, etc. Heráclito de Éfeso sustentava que o único princípio existente na base de todos os fenômenos da Natureza é o fogo. A inteligência que move o Universo é o fogo, e o fogo é inteligência. E, enquanto Anaximenes diz a mesma coisa do ar, e Thales de Mileto (600 anos antes de Cristo) outro tanto da água, a Doutrina Secreta concilia todos esses filósofos, demonstrando que, embora cada qual esteja com a razão em seu respectivo ponto de vista, nenhum destes sistemas é completo. 8. Onde estava o Germe, onde então se encontravam as Trevas? Onde está o Espírito da Chama que arde em tua Lâmpada, ó Lanu? O Germe é Aquilo, e Aquilo é a Luz, o Alvo e Refulgente Filho do Pai Obscuro e Oculto. A resposta à primeira pergunta, sugerida pela segunda, que é a réplica do mestre ao discípulo, contém, numa só frase, uma das verdades mais essenciais da filosofia oculta. Indica a existência de coisas imperceptíveis aos nossos sentidos físicos, coisas que são muito mais importantes e muito mais reais e permanentes do que aquelas que impressionam os sentidos. Antes que ao Lanu seja dado compreender o problema de metafísica transcendente que se contém na primeira pergunta, é mister que seja capaz de responder à segunda, na qual se acha precisamente a chave para a resposta correta da outra. No Comentário sânscrito a esta Estância, são numerosos os termos usados em relação ao Princípio oculto e não revelado. Nos mais primitivos manuscritos da literatura hindu, esta Divindade Abstrata e não revelada carece de nome. É designada geralmente por “Aquilo” (Tad, em sânscrito), significando tudo o que é, foi e será, ou que pode ser assim concebido pela mente humana. 208 Entre as denominações atribuídas ao Princípio Abstrato pela filosofia esotérica — como “Trevas Insondáveis”, “Torvelinho” etc. — também se encontram as de “Aquilo do Kâlahansa”, “Kâla-ham-sa” e até mesmo “Kali Hamsa” (Cisne Negro). Aqui o m e o n são permutáveis, e ambos têm o som nasal da sílaba francesa an ou am. Sucede no sânscrito, como também no hebreu, que muitos nomes misteriosos e sagrados não dizem ao ouvido mais do que qualquer palavra comum, porque se acham ocultos sob a forma de anagramas ou de outra maneira. Um exemplo disso é a própria palavra Hansa ou Hamsa. Hamsa equivale a “A-Hmsa”, três palavras que significam “Eu sou Ele”; mas, repartindo-se de outro modo, pode ler-se “So-ham”. “Ele (sou) Eu”. Nesta única palavra está contido o mistério universal, o princípio da identidade da essência do homem com a essência divina, para aquele que entende a linguagem da sabedoria. Daí o emblema e a alegoria de Kâlahansa (ou Hamsa), e o nome dado a Brahman (neutro), e depois ao Brahmâ masculino, de Hansa Vâhana, “o que usa Hamsa como veículo”. A mesma palavra também pode ser lida “Kâlaham-sa”, ou “Eu Sou Eu na Eternidade do Tempo”, o que corresponde à frase bíblica, ou antes zoroastriana, “Eu sou o que sou”. Idêntica doutrina se encontra na Cabala, como o demonstra o seguinte excerto de um manuscrito inédito do erudito cabalista Sr. S. Liddell McGregor Mathers: “Usam-se os três pronomes , , , Hua, Ateh, Ani — Ele, Tu, Eu —, para simbolizar as idéias do Macroposopo e do Microposopo na Cabala hebraica. Hua, “Ele”, aplica-se ao Macroposopo oculto; Ateh, “Tu”, ao Microposopo; e Ani, “Eu”, a este último quando representa a pessoa que fala (Veja-se Lesser Holy Assembly. 204 e segs.). 209 É de notar que cada um destes nomes se compõe de três letras; Aleph, , A , está no fim da primeira palavra Hua e no começo de Atah e de Ani, como que formando o laço de conexão entre os três nomes. Mas Aleph, , é o símbolo da Unidade e, por conseguinte, da idéia invariável do Divino, operando através de todos eles. Atrás de Aleph, , na palavra Hua, estão as letras Vau, , e He, , símbolos dos números Seis e Cinco, o Macho e a Fêmea, o Hexagrama e o Pentagrama. E os números das três palavras Hua, Ateh e Ani são 12, 406 e 61, os quais se acham resumidos nos númeroschaves 3, 10 e 7 pela Cabala das Nove Câmaras, que é uma forma da regra exegética de Ternura”. É inútil qualquer tentativa de explicar completamente o mistério. Os materialistas e os modernos homens de ciência jamais o compreenderiam, uma vez que, para obter uma clara percepção, seria preciso, primeiro que tudo, admitir o postulado de uma Divindade eterna, onipresente e imanente em toda a Natureza; em segundo lugar, aprofundar o mistério da eletricidade em sua verdadeira essência; e, em terceiro, aceitar que o homem é o símbolo setenário, no plano terrestre, da Grande Unidade, o Uno, o Logos, que é o signo de Sete vogais, o Alento cristalizado no Verbo232 . 232 O que também se assemelha às doutrinas de Fichte e dos panteístas alemães. O primeiro venera a Jesus como o grande instrutor que pregou a unidade do espírito do homem com o Espírito de Deus ou Princípio Universal (doutrina advaíta). É difícil encontrar uma só especulação metafísica do Ocidente que não tenha sido antecipada pela filosofia arcaica oriental. De Kant a Herbert Spencer tudo se reduz a um eco mais ou menos desfigurado das doutrinas Dvaíta, Advaíta e Vedantina em geral. 210 Quem admitir tudo isso há de também admitir as combinações múltiplas dos sete planos do Ocultismo e da Cabala, com os doze signos zodiacais, e atribuir, como nós o fazemos, a cada planeta e a cada constelação uma influência que, segundo as palavras de Ely Star, “lhes é própria, benéfica ou maléfica, e isso de acordo com o Espírito planetário que governa cada um, e que, por sua vez, é capaz de influir sobre os homens e as coisas que estão em sintonia com eles e que lhes são afins”. Por estas razões, e sendo mui poucos os que nisso acreditam, tudo o que se pode dizer por enquanto é que, em ambos os casos, o símbolo de Hamsa (quer seja Eu, Ele, Ganso ou Cisne) é um símbolo importante, representando, entre outras coisas, a Sabedoria Divina, a Sabedoria nas Trevas, fora do alcance dos homens. Para fins exotéricos, Hamsa, como sabem todos os hindus, é um pássaro fabuloso, que, ao ser-lhe dado (na alegoria) leite misturado com água, separava os dois, bebendo o leite e deixando a água, numa demonstração de sabedoria; pois o leite representa simbolicamente o espírito, e a água a matéria. A antigüidade remotíssima dessa alegoria se evidencia pela referência constante do Bhagavad Purâna a certa casta chamada Hamsa ou Hansa, que era a “casta única” por excelência, quando, em tempos mui longínquos, envolto nas brumas de um passado esquecido, não existia entre os hindus mais do que “Um Veda, Uma Divindade e Uma Casta”. Há também nos Himalaias uma montanha que os velhos livros descrevem como situada ao norte do Monte Meru, com o nome de Hamsa, e relacionada com episódios pertencentes à história das iniciações e dos mistérios religiosos. Quanto a Kâlahansa, que nos textos exotéricos e nas traduções dos orientalistas figura como o veículo de Brahmâ-Prajâpati, nisto há completo erro. Brahman, o neutro, é ali chamado Kâla-hansa, e Brahmâ, masculino, Hansa-vahâna, 211 porque certamente “o seu veículo é um cisne ou um ganso233”. Trata-se de uma glosa puramente exotérica. Esotérica e logicamente, se Brahman, o infinito, é tudo o que descrevem os orientalistas, e se é também o que dizem os textos vedantinos, uma divindade abstrata, de modo algum caracterizada por atributos humanos; se ao mesmo tempo se sustenta que tem o nome de Kâla-hansa — como pode então vir a ser o Vâhan de Brahmâ, o deus finito manifestado? É precisamente o contrário. O “Cisne ou Ganso” (Hansa) é o símbolo da Divindade masculina ou temporária, Brahmâ, a emanação do Raio primordial, que serve de Vâhan ou Veículo para o Raio Divino, o qual de outro modo não se poderia manifestar no Universo, por ser ele mesmo uma manifestação das Trevas (ou, pelo menos, daquilo que se afigura como tal à mente humana). Brahmâ é, portanto, Kâlahansa, e o Raio, Hansavâhana. É ainda igualmente significativo o estranho símbolo adotado; seu verdadeiro sentido místico é a idéia de uma matriz universal, representada pelas Águas Primordiais do Abismo, ou abertura para a recepção e a subseqüente saída daquele Raio Uno (o Logos), que contém em si os outros Sete Raios Procriadores ou Poderes (os Logos ou Construtores). Daí terem os Rosacruzes elegido por símbolo o pássaro aquático (seja o cisne ou o pelicano) com os seus sete filhotes (símbolo modificado e adaptado à 233 Veja-se o Dictionary of Hindu Mythology de Dowson, pág. 51. 212 religião de cada país234. Ain Suph é chamado no Livro dos Números235 a “Alma de Fogo do Pelicano”. Surge em cada Manvantara como Nârâyana ou Svâyambhuva, o Existente por Si, e, penetrando no Ovo do Mundo, dele sai no final da divina incubação, como Brahmâ ou Prajâpati, o progenitor do Universo futuro, no qual se expande. É Purusha (o Espírito), mas também é Prakriti (a Matéria). Por isso, unicamente depois de haver-se dividido em duas metades, Brahmâ-Vâch (a fêmea) e Brahmâ-Virâj (o macho), é que Prajâpati se torna o Brahmâ masculino. 9. A Luz é a Chama Fria, e a Chama é o Fogo, e o Fogo produz o Calor, que dá a Água — a Água da Vida na Grande Mãe236 . Convém ter presente que os termos “Luz”, “Chama” e “Fogo” foram adotados pelos tradutores do vocabulário dos antigos “Filósofos do Fogo237” a fim de tornar mais claro o significado dos termos e símbolos arcaicos empregados no original. De outro modo ficariam estes de todo ininteligíveis para o leitor europeu. Para o estudante de Ocultismo, no entanto, os termos mencionados são bastante claros. 234 Que espécie de ave seja, cygnus, anser ou pelicanus, não importa, pois é sempre uma ave aquática que flutua ou nada sobre as águas, como o Espírito, saindo depois para dar nascimento a outros seres. A verdadeira significação do símbolo do Grau Dezoito dos Rosacruzes é exatamente essa, embora depois o tivessem poeticamente convertido no sentimento maternal do pelicano que dilacera o próprio peito para alimentar com seu sangue os sete filhos pequeninos. 235 A razão pela qual Moisés proíbe comer o pelicano e o cisne (Deuteronômio, XIV, 16-17), classificando-os entre as aves impuras, e ao mesmo tempo permite comer “gafanhotos, escaravelhos, cigarras e os de sua espécie” (Levítico, XI, 22), é puramente fisiológica, e não tem relação com a simbologia mística, exceto em que a palavra “impura”, como qualquer outra palavra, não deve ser entendida no sentido literal — porque é esotérica, como tudo o mais, e tanto pode significar “sagrado” como o contrário. É um “véu” muito sugestivo para o caso de certas superstições, por exemplo, a do povo russo, que não come o pombo, não pelo fato de ser “impuro”, mas porque se diz que o Espírito Santo apareceu sob a forma de uma pomba. 236 O Caos 237 Não os alquimistas da Idade Média, mas os Magos e os Adoradores do Fogo, de quem os Rosacruzes ou os filósofos per ignem, sucessores dos teurgistas, houveram todas as idéias referentes ao Fogo, como elemento místico e divino. 213 A “Luz”, a “Chama”, o “Frio”, o “Fogo”, o “Calor”, a “Água” e a “Água da Vida” tão todos em nosso plano as resultantes, ou, como diria um físico moderno, as correlações, da Eletricidade. Palavra de tanta força e símbolo ainda mais poderoso! Gerador sagrado de uma progênie não menos sagrada: do Fogo, que é o criador, o conservador e o destruidor; da Luz, que é a essência de nossos divinos antepassados; da Chama, que é a Alma das coisas. A Eletricidade, a Vida Una na escala mais elevada do Ser, e o Fluido Astral, o Atanor dos alquimistas, na inferior; Deus e o Diabo, o Bem e o Mal… Por que então se diz que a Luz é a “Chama Fria”? Porque, na ordem da Evolução Cósmica (segundo ensina o Ocultismo), a energia que atua sobre a matéria, depois de sua primeira formação em átomos, é gerada em nosso plano pelo Calor Cósmico; e porque o Cosmos, no sentido de matéria não agregada, não existia antes dessa fase. A primeira Matéria Primordial, eterna e coeva do Espaço, e “que não tem princípio nem fim, não (é) quente nem fria, mas possui uma natureza especial e própria”, reza o Comentário. O Calor e o Frio são qualidades relativas e pertencem ao domínio dos mundos manifestados, todos procedentes do Hylé manifestado, sendo este, em seu aspecto absolutamente latente, designado sob o nome de “Virgem Fria”, e, quando já desperto para a vida, sob o de “Mãe”. Os antigos mitos da cosmogonia ocidental dizem que no princípio só existia a névoa fria (o Pai) e o limo prolífico (a Mãe, Ilus ou Hylé), de onde saiu deslizando a Serpente do Mundo (a Matéria)238. A Matéria Primordial, pois, antes de surgir do plano daquele que jamais se manifesta, e de despertar à ação vibratória sob o impulso de Fohat, não é senão “uma radiação fria, incolor, sem forma, insípida e desprovida de toda qualidade e aspecto”. E assim também é sua Primogenitura, os “Quatro Filhos”, que 238 Ísis sem Véu, I, 146. 214 “são Um e se tornam em Sete”, as Entidades cujas qualificações e nomes serviram aos ocultistas orientais para designar antigamente quatro dos sete “Centros de Força” primários, ou Átomos, que por último se desenvolvem nos grandes “Elementos” Cósmicos, atualmente subdivididos nos setenta e tantos subelementos conhecidos pela ciência moderna. As quatro “Naturezas Primárias” dos primeiros Dhyân Chohans são chamadas (na falta de melhores nomes) Akhâshica, Etérea, Aquosa e ígnea. Correspondem, na terminologia do ocultismo prático, às definições científicas dos gases, e podem ser denominadas, para dar uma idéia clara tanto aos ocultistas como ao público em geral, como parahidrogênica239, para-oxigênica, oxiidrogênica e ozônica ou talvez nitroozônica; sendo estas últimas forças, ou bases (em Ocultismo, substâncias suprasensíveis, embora atômicas), de maior efeito e mais ativas quando imprimem sua energia no plano da matéria mais grosseiramente diferenciada. Tais elementos são, por sua vez, eletropositivos e eletronegativos. São eles e muitos outros provavelmente os “elos que faltam” da química. Em alquimia são conhecidos por outros nomes, assim como em ocultismo prático. Combinando e recombinando ou dissociando os “Elementos” de uma certa forma, por meio do Fogo Astral, é como se produzem os maiores fenômenos. 10. O Pai-Mãe urde uma Tela, cujo extremo superior está unido ao Espírito240, Luz da Obscuridade Única, e o inferior à Matéria, sua Sombra241. A Tela é o Universo, tecido com as Duas Substâncias combinadas em Uma, que é Svabhâvat. 239 “Para” tem o sentido de além de, fora de. 240 Purusha. 241 Prakriti. 215 No Mândukya Upanishad242 está escrito: “Assim como a aranha estende e recolhe a sua teia; assim como as plantas brotam da terra.. . assim também o Universo provém de Aquele que não desaparece” — Brahmâ — porque o “Germe das Trevas desconhecidas” é o material de que tudo se desenvolve e evoluciona, “como a teia da aranha e a espuma da água” etc. Mas isto somente será expressivo e verdadeiro se o termo Brahmâ, o “Criador”, se derivar da raiz brih, crescer ou expandir-se. Brahmâ expande-se e converte-se no Universo tecido de sua própria substância. A mesma idéia foi admiravelmente traduzida por Goethe nos seguintes versos: Assim no estrepitante tear do Tempo eu trabalho Tecendo para Deus a veste com que o hás de ver. 11. A Tela se distende quando o Alento do Fogo243 a envolve; e se contrai quando tocada pelo Alento da Mãe244. Então os Filhos245 se separam, dispersando-se, para voltar ao Seio de sua Mãe no fim do Grande Dia, tornando-se de novo uno com ela. Seus Filhos se dilatam e se retraem dentro de Si mesmos e em seus Corações; Eles abrangem o Infinito. A expansão do Universo sob a ação do “Alento de Fogo” é muito sugestiva, considerada à luz do período da névoa de fogo de que tanto fala a ciência moderna, e de que tão pouco sabe realmente. 242 I, 1, 7. 243 O Pai. 244 A Raiz da Matéria. 245 Os Elementos com seus respectivos Poderes ou Inteligências. 216 O calor intenso separa os elementos compostos e resolve os corpos celestes em seu Elemento Primordial, segundo explica o Comentário. “Desde o momento em que um corpo, morto ou vivo, se decompõe em seus elementos primitivos, ao entrar no campo de atração ou de ação de um fogo ou centro de calor (energia) — e vários centros se acham disseminados aqui e ali no espaço — fica esse corpo reduzido a vapor, permanecendo no Seio da Mãe, até que Fohat, reunindo algumas partículas da Matéria Cósmica (nebulosas), o impulsione e ponha de novo em movimento, desenvolvendo o calor necessário e deixando-o então prosseguir em sua nova forma de atividade.” A expansão e a contração da “Tela” — ou seja, do material ou dos átomos de que é feito o mundo — exprimem aqui o movimento de pulsação; porque é a contração e a expansão regular do Oceano infinito e sem praias daquilo que podemos chamar o númeno da Matéria, emanado de Svabhâvat, que constituem a causa da vibração universal dos átomos. Mas isso também sugere algo mais. Prova que os antigos conheciam o que em nossos dias intriga tantos homens de ciência e em especial os astrônomos: a causa da primeira ignição da matéria ou do material de que é construído o mundo, o paradoxo do calor produzido pela contração refrigerante, e outros enigmas cósmicos. Demonstra de modo inequívoco que os antigos tinham conhecimento desses fenômenos. “Em todo átomo existe calor interno e calor externo, o Alento do Pai (Espírito) e o Alento (Calor) da Mãe (Matéria)” — rezam os Comentários manuscritos aos quais teve acesso a autora; e 217 estes documentos contêm explicações que mostram ser errônea a teoria moderna da extinção dos fogos solares em conseqüência de perda de calor pela radiação. A hipótese é falsa, e até mesmo homens de ciência já o admitem; pois, conforme declara o Professor Newcomb246, “ao perder calor um corpo gasoso se contrai, e o calor produzido pela contração ultrapassa o que ele perde ao contrair-se”. Este paradoxo, de que um corpo se torna mais quente quanto maior é a diminuição de volumes ocasionada pelo esfriamento, tem sido causa de inúmeras polêmicas. O excesso de calor se perde com a radiação — pretendeu-se; e supor que a temperatura não desce pari passu com a diminuição de volume, sob uma pressão constante, é não ter em nenhuma conta a lei de Charles247. É verdade que a contração desenvolve calor; mas a contração (por esfriamento) não é capaz de produzir a totalidade de calor que em qualquer momento exista na massa, nem de manter um corpo a uma temperatura constante etc. O Professor Winchell tenta explicar o paradoxo — que na realidade só é aparente, como o demonstrou J. Homer Lane248 ao sugerir que “existe alguma coisa além do calor”. “Não será porventura” — indaga — “uma simples repulsão entre as moléculas, que varie segundo alguma lei de distância249?” Mas só poderá firmar-se o consenso quando essa “alguma coisa além do calor” for chamada “Calor Sem Causa”, o “Alento do Fogo”, a Força onicriadora, dirigida pela Inteligência Absoluta; e não é provável que a Ciência Física o admita. Seja como for, a leitura desta Estância mostra que, apesar da fraseologia arcaica, o seu ensinamento é mais científico que o da própria ciência moderna. 246 Popular Astronomy, págs. 507, 508. 247 WinchelI, Nebular Theory. 248 American Journal of Science, julho de 1870. 249 Winchell, World Life, págs. 83-5. 218 12. Então Svabhâvat envia Fohat para endurecer os Átomos. Cada qual250 é uma parte da Tela251. Refletindo o “Senhor Existente por Si Mesmo252” como um Espelho, cada um vem a ser, por sua vez, um Mundo253 . Fohat endurece os Átomos; isto é: comunicando-lhes energia, separa os “Átomos” ou a Matéria Primordial. “Ele se dispersa, ao dispersar a matéria em forma de Átomos”, diz o Comentário. É por meio de Fohat que as idéias da Mente Universal são impressas na Matéria. Pode-se ter uma noção ligeira da natureza de Fohat pela denominação de “Eletricidade Cósmica”, que algumas vezes lhe é dada; mas neste caso, às propriedades conhecidas da Eletricidade em geral, devem acrescentar-se, outras, inclusive a inteligência. E é interessante observar que a ciência moderna vem de reconhecer, finalmente, que toda atividade cerebral é acompanhada de fenômenos elétricos.